A margem da margem
Por Fabio da Silva Barbosa
Passava pelas ruas promovendo
contorções faciais nos que detectavam sua presença. Seu cheiro empesteava até a
esquina. O corpo era um conjunto defeituoso que trazia desprazer aos que
avistavam seu rastejar moribundo. É impossível esperar que alguém se aproxime
para dar afeto, abraço ou beijo. Apenas lançavam coisas em sua direção aos
berros de “Sai daqui, coisa imunda!”. O nojo transbordava nos olhares que
fuzilavam seu desfile asqueroso. Seres limpos e impiedosos viravam o rosto com
ódio por constatar que ainda estava vivo e entre eles. Bons cristãos oravam por
seu desaparecimento imediato. Sua permanência era o maior dos insultos. Para
que tanta insistência em incomodar com seu podre viver? Mas isso não era voluntário.
Não tinha forças para abreviar o constante sofrer. A morte rondava aquele
escombro ambulante, mas ia se apoderando lentamente da carniça viva. Não havia
pressa na deterioração das chagas purulentas. O vômito seco na barba, a
corcunda disforme, os membros atrofiados. Uma ode a tristeza e ao desamparo.
Desprovido do que quer que seja. Não tinha o mínimo. Não tinha o básico. Era o
próprio não tinha. Escolha... Desconhecia o termo... O que tinha era apenas o
que ninguém queria ter. Feridas por toda a parte, pestes e parasitas. Agora pega um punhado de comida
azeda e empurra garganta abaixo. Cagalhões fétidos desprendem automaticamente
de seu cu, seguidos por um jato de diarréia e sangue. O odor só piora. Os olhos
esbugalhados, com remelas secas enfeitando o entorno, não viam mais nada ao
redor. Estava fechado em sua própria enfermidade. Não viu os meninos que
passaram correndo e atiraram pedras. Brincadeiras cruéis que aumentariam o
sofrer se ainda entendesse os acontecimentos. Para ele, nada que estivesse fora
existia. Apenas o caótico universo interior em ruínas. Talvez fosse melhor
assim.
Talvez.
Até a próxima!
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