O conteúdo proposto pelo autor é contra-indicado para leitores good vibes. Trata-se de um emaranhado de aforismos toscos, poemas malditos e marginais, textos antigos e também atuais, carregados de acidez, ironia, críticas sociais, políticas e religiosas. Temas delicados, termos viscerais e, por vezes, chulos. Várias páginas ainda trarão alguns rabiscos psicóticos, riscados pelo próprio autor.
Talvez seja o material mais rude e orgânico já escrito por Alexandre Chakal. Talvez seja mais do mesmo para quem já conhece suas outras obras.
No momento, o livro segue sendo reconstruído e revisado. Por isso, o autor decidiu soltar alguns spoilers por aqui, criando uma coluna de duração curta, seguindo a mesma métrica das colunas Navalha na Carne, do próprio, e Arquivos Explícitos, de Fábio da Silva Barbosa, que já teve algumas temporadas da série publicadas neste blog.
Então, explicações dadas, vamos ao conteúdo da primeira postagem da coluna.
Menos Palavras = Mais Valores?
Por Alexandre Chakal
Vivemos a era da frase lapidada, do impacto em uma linha, do aforismo que cabe em camisetas, memes, respostas rapidas para áudios velozes do Whatsapp ou bios de redes sociais que resumem na medida dos algoritmos . "Menos palavras, mais poder", dizem por aí. Como se o silêncio sempre fosse ouro e o verbo, um desperdício. Atribuem isso a Confúcio, Sun Tzu ou algum outro monge zen que talvez jamais tenha aberto um livro de poesia que não aborda romantismo ou positividade. Curioso demais. Porque nenhum deles viveu no Brasil de 2025, onde quem fala pouco, apanha calado; e quem grita demais, morre sem ser ouvido. Onde politicos fascistas, pastores capitalistas e influencers mal intencionados, são referências de sucesso e poder, muito poder. O poder das palavras não está em sua quantidade nem em sua economia, está no quanto elas ardem quando ditas, escritas, pichadas ou vomitadas.
Escrever muito não é desperdício. Ainda mais em um país que banaliza a leitura, a educação e usa a internet para narrativas divergentes da tal verdade. Um país que ainda tem uma parcela significativa de pessoas que assinam com o polegar, pois não sabem ler ou escrever.
Desperdício é passar a vida guardando no peito a náusea, a raiva, a tristeza e os abusos que "eles" nos empurram goela abaixo diariamente. Desperdício é fingir que o mundo se resolve com frases curtas e de tom inteligente, enquanto se assiste a realidade escorrer na latrina entupida por desigualdades faladas, escritas e até silenciosas. Que poder tem a palavra contida diante de um desalento que precisa ser expurgado aos berros? Os escritores da dor, da miséria, da poesia marginal, escrevem não para serem eficientes, mas para não enlouquecerem.
A concisão pode até ser elegante, mas há tempos em que o excesso é o único estilo sincero. Quando se mora em uma favela que alaga nas primeiras gotas vindas do céu, quando se vive com um salário mínimo que evapora antes da chegada dos boletos, quando se vê gente com fome vendendo o próprio corpo por preço baixo e político vendendo o país inteiro e lucrando alto, o silêncio não é poder, é cumplicidade. Reduzir palavras nessas condições é como servir água em conta-gotas a quem está morrendo de sede. E ainda cobrar gratidão e posar de salvador.
A analogia entre "menos palavras" e "mais valor" é um luxo que a miséria dos aflitos não pode bancar. Talvez funcione para manuais de autoajuda ou para marqueteiros de LinkedIn, mas não para quem escreve como um grito, uma necropsia emocional, um ato de resistência. Quem escreve no Brasil carrega o peso de mil vozes caladas, de mães que perderam filhos para a polícia, de trabalhadores que nunca tiveram férias, de poetas que jamais foram lidos. Escrever, nesse país, é sangrar devagar.
Então não, nem sempre menos é mais. Às vezes, menos é covardia. É omissão travestida de sabedoria oriental ou civilidade para aceitação da elite que detém o poder e deseja explorar com pose ilibada as massas famintas e amaldiçoadas. E antes que me acusem de prolixo, adianto: sou prolixo sim, como são prolixas as feridas abertas da nossa história. Como são longas as filas nos hospitais, os dias de quem espera justiça, os boletins de ocorrência que nunca viram sentenças. Para esse tipo de realidade, uma frase curta é uma afronta. É como pintar uma pomba branca em um jornal velho, usado como papel higiênico e acreditar que a paz mundial está ali.
O Brasil exige mais palavras, não menos. Exige verborragia urgente, visceral, desespero estilizado, literatura que incomoda como pus e fede a chorume. Que não caiba em rasas postagens, mas que arranhe a alma de quem lê. Que não seja feita para agradar, mas para esfregar a verdade como quem esfrega sal e vinagre em feridas abertas. Porque quem escreve aqui não está buscando poder, engajamento, likes ou grana. Está buscando fôlego. Porque às vezes, o único lugar onde muitos que escrevem ainda respiram, é na vírgula antes do próximo parágrafo.
As informações sobre livros e outros escritos de Alexandre Chakal podem ser encontrados na página de Instagram @emcarnevivaecrua
Alguns livros do autor estão disponíveis AQUI
Fonte Metal Reunion Books & Zines
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