Metal Reunion Zine

Blogzine fundado em 2008. Reúne notícias referentes a bandas, artistas, eventos, produções, publicações virtuais e impressas, protestos, filmes/documentários, fotografia, artes plásticas e quadrinhos independentes/underground ligados de alguma forma a vertentes da cultura Rock'n'Roll e Heavy Metal do Brasil e também de alguns países que possuem parceiros de distribuição do selo Music Reunion Prod's and Distro e sua divisão Metal Reunion Records.



sexta-feira, 12 de abril de 2024

Navalha na Carne - Edição 27 - Reflexão sobre o vazio do reflexo.


Reflexão sobre o vazio do reflexo.

Hoje completo meio século de idade. 
Nada mais justo do que uma postagem aqui na NAVALHA NA CARNE.

A fé, o produto mais vendido do Brasil e, talvez, do mundo inteiro. Porém, como todo produto bem-sucedido com muitos consumidores, o manual de instruções não recebe a devida atenção, passando despercebido pela maioria. Talvez tutoriais no YouTube, lives de coaches e podcasts de famosos sejam opções menos tediosas do que ler o manual, concorda?
Claro que sim né? Se você é brasileiro parte do brasileiro médio, é sabido que tens dificuldade para usar corretamente o fio dental e fazer uso de preservativo masculino com medo de rasgar, pois não tens certeza se "vestiu" certo a camisinha.

Se você teve saco, leu até aqui e associou o manual de instruções à Bíblia ou a qualquer outro livro escrito por homens para controlar outros homens, está completamente enganado. Se você acompanha esta coluna, deve ter notado que eu jamais chamaria a Bíblia cristã de manual.

Refiro-me à fé em si mesmo, à vontade inabalável de acreditar avançando antes de ser alcançado pelo fim, que é igual para todos nos.

O indivíduo contemporâneo, que consome fé no Brasil, deve pensar mais ou menos assim: "Se os tutoriais, as lives e os podcasts funcionam para aprender a mexer no meu videogame novo, devem funcionar também para me conectar com seres invisíveis que os religiosos afirmam que me escutam, me veem e estão disponíveis para atender todas as minhas vontades, todos os dias, a qualquer hora."

Quase ninguém pondera sobre o quão poderoso pode ser crer apenas na maior de todas as forças: a vontade.

Sugerir uma reflexão que nos eleve a uma condição melhor tornou-se algo utópico, ou no mínimo duvidoso, no país das orações mecanizadas e dízimos robustos. E por que não dizer patético? Já que as pessoas não precisam mais pensar tanto para refletir sobre si mesmas, nem para questões do mundo que as cercam e sufocam.

Meditação? Não! Isso deu certo nos anos 90. Saiu de moda há tempos. Além disso, meditar hoje em dia pode ser apenas um vídeo rápido no YouTube ou reels de 15 segundos no Instagram, produzido por alguém que nunca praticou meditação, mas que busca curtidas e interações para ganhar dinheiro nas redes sociais.

Todas as respostas e possíveis reflexões já estão prontas e disponíveis nas redes sociais, e agora, há até coisas mais eficazes, como o ChatGPT, por exemplo. O tempo usado para reflexões existenciais, meditação ou outras práticas que possam aliviar o caos diário, agora é usado para tirar selfies, enviar memes para os amigos, navegar por páginas de receitas, viagens, pornografia, lutas, filmes, esportes e, claro, fé.

Reflexões que não geram lucros financeiros imediatos ou fugas de condições sociais e morais incômodas, sem esforço real e principalmente a curto prazo, são consideradas desnecessárias pela maioria dos seres vivos que têm fé em suas bocas, pensamentos e usam-na como receita médica: placebo.

Esses seres, considerados pensantes e espiritualizados de forma quase competitiva, julgam qual deus ou entidade é a melhor para trabalhar pela fé individual delas.

Ter fé ou incorporar uma personalidade que profere verdades absolutas, padrões de comportamento e condutas sociais específicas ditadas por outros, é o complemento perfeito para quem vende um produto, desejando que ele entre na moda e venda cada vez mais. A fé consegue isso facilmente por aqui. Afinal, todos temem um ser superior, têm respeito e amor por ele, amor esse muito bem expressado no enriquecimento absurdo das lideranças religiosas.

E quando não se tem esse amor, é falta de fé. Então, a solução é buscar fé constantemente. "E mande 10% para cá, meu servo!"

Para ajudar nas vendas da fé, o Estado faz sua parte, fechando os olhos para questões simples que acabam se transformando em tristeza, tragédias e dor, levando os contribuintes a buscarem mais e mais fé em vez de questionar o Estado.

Já se foi o tempo em que as pessoas tinham fé sem questionar os métodos da entidade à qual confiavam suas crenças. Algumas delas nem mesmo têm uma entidade central do sobrenatural que justifique cientificamente a manutenção dessa fé.

Hoje em dia, elas questionam, cobram, reclamam ao vento, caso, em pouco tempo, não façam parte de algum grupo elitizado que "Deus" colocou em suas vidas. Ter fé e seguir Jesus Cristo está na moda, assim como o copo Stanley, os tênis Air Jordan, o silicone no bumbum, as lentes de contato dentais, sexo anal, a cocaína e o crack. Quem não tem o garoto propaganda do Cristianismo está fora de moda e sofre preconceitos e até boicotes sociais, inclusive pela própria família.

A busca pela tão almejada vitória é motivo de pensamentos em looping, buscando respostas que não dependem apenas da vontade do indivíduo. É aí que entram os vendedores de fé, figuras importantes para ajudar a mascarar as ausências do Estado em questões básicas. Ter fé é a melhor forma de acreditar que algo fracassado e sem nenhuma chance de sucesso vai dar certo, independentemente das circunstâncias.

Imagina? Eu, por exemplo, gostaria de ser uma mistura de Elon Musk com Bill Gates financeiramente e uma mistura de Brad Pitt com Cauã Reymond fisicamente. Será que basta ter fé para isso se concretizar?

Talvez uma simulação usando inteligência artificial leve apenas alguns segundos para criar esse personagem bem-sucedido, desejado por mim e por outros com muita fé. Mas e aí? Estou falando de fé?

As afirmações positivas diante do espelho, para talvez gerar auto motivação, são mecânicas e baseadas em coisas sobrenaturais, inexplicáveis pela ciência e muitas vezes manipuladas por pseudo representantes das já conhecidas religiões contemporâneas. Afinal, a fé deve ser vendida e questionar o conteúdo passado pelo vendedor experiente, que inclusive se apresenta em um palco, munido de um microfone e caixas de som potentes, pode parecer inadequado.

Quantas verdades existem para o mesmo tema? Temas que muitas vezes surgem de inverdades com doses enormes de falta de escrúpulos. Mas a fé não se vende apenas com verdades, certo?

Não importa se é verdade, inverdade, mentira ou se foi manipulado e tirado do contexto. O que importa para os mercadores da fé, é vender fé. Como um bom vendedor, a meta deve ser alcançada e a comissão garantida.

Isso é bem fácil quando se vende esse tipo de produto por aqui.

Tenha fé, mas não pague por isso. Ou tenha fé sim, mas em você.

E assim, como as moedas que trocam de mãos em um mercado movimentado, a fé transita entre os crentes e os negociantes. Seja ela depositada em seres divinos ou em si mesmo, a fé continua sendo a moeda de troca mais valiosa, cujo valor é determinado apenas pela crença de quem a possui. 

Não existe um duende com um pote de ouro no fim do arco íris. Derrepente nem mesmo o arco íris existe. 

Até breve ou não.

Alexandre Chakal é carioca, pai, publicitário, jornalista independente, designer, musicista, escritor, poeta, locutor freelancer, zineiro, editor do blog Metal Reunion Zine à mais de 15 anos.  Um eterno inconformado com o cenário social e as péssimas gestões políticas no país mais rico da America Latina.

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