Metal Reunion Zine

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sábado, 25 de novembro de 2023

ARQUIVOS EXPLÍCITOS - Contos e crônicas da ópera rock do terror cotidiano - Segunda Temporada 2023 - #17

Que a morte lhe dê o descanso que a vida não deu

Por Fabio da Silva Barbosa

 

Era o enterro do Velho Poeta, que também já apareceu por esta coluna como o Velho Escritor. O nome dele, na verdade, não era nada disso. Ele se chamava Tenório Theodoro Silva. Adorava confundir. Dizia ser sua missão na terra. É o primeiro personagem dessa coluna a vir a óbito. Como chamaria isso? Talvez óbito fictício? Quem sabe óbito criativo? Não faço a menor ideia e não vou ocupar minha mente com isso. Não posso perder o foco. Afinal, estou em um enterro.

Acompanhando o caixão, podíamos observar, sem dificuldades, a rapaziada que fazia uns furtos pelo centro, alguns jogadores, o pessoal da exploração sexual e uns tantos donos de botequim que ficaram sem receber a conta. Agora, o que mais tinha mesmo, eram parceiros de copo ou de pequenos golpes. Sabe como é? Quem não tem dinheiro, tem de ter criatividade pra sobreviver. Todo mundo sabe que poesia nunca deu dinheiro. Querer se sustentar com poesia é gostar de passar fome.

               Logo na Saída do caixão, Gornél já estava bêbado e começou a fazer um escândalo. Discursou, chorou, caiu umas duas vezes pelo chão... Os seguranças da boate botaram logo pra correr. O pessoal que chegou depois, contou que ele estava segurando na grade do cemitério e ficava fazendo movimentos circulares de um lado para outro. E disse que o bicho vomitava de não parar nunca. Troço feio de ver. Ainda bem que quando sair, ele já foi. Já foi ou alguém chamou a ambulância e levaram aquela alma sofrida pra um atendimento.

               Não. Velório não teve. Ele não queria isso. Essa foi a parte que conseguimos atender. Mas a cremação, não deu. Sei que ele queria, mas... O pessoal até tentou fazer um ratátá... Pegar um dinheiro com cada um... Só que a maioria tava duro. Quem tinha algum, ficava em dúvida, mas acabava se resolvendo por tomar mais uma. Mas tá bom. Conseguiram esse caixão pela prefeitura e o buraco pra enfiar dentro. Ele era do tipo que não ligava pra nada. Não vai fazer questão.

               Agora, o bicheiro que não perdeu tempo. Nem tinham segurado o caixão para começar a andar e ele já foi mandando o garoto que escreve o bicho abordar os presentes para ver quem gostaria de aproveitar e fazer uma fézinha no dia de aniversário ou morte do finado. Quem quisesse o número da cova, ele também já tinha.  E o rapaz ia com o talãozinho na mão, encostando discretamente nos presentes e sussurrando algo com a maior seriedade. Já Gornél todo mundo reclamou do comportamento. Por que ninguém falou nada com essa gente també?

               Mas não adianta reclamar. O morto tá morto e mesmo se tivesse vivo... Se pudesse, ele também fazia uma fé. Fosse no enterro de quem fosse. Quem dirá no próprio.   

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