A tempestade perfeita
Por Alexandre Chakal
Ciente que a comunicação atual se resume a termos da moda, textos minúsculos e frases curtas e, as vezes, nem isso. Um emoticon, um emoji, uma figurinha usada em forma de resposta no Whatsapp para algum questionamento sério, criando um senso comum bem distorcido de que o menos é mais, me permiti escrever um texto longo, repetitivo, óbvio e cansativo para os padrões dos leitores modernos e considerados antenados em tudo da atualidade.
Resumindo: um texto para não ser lido. Mas quem se importa, né? Enfim, vamos lá.
É bem curioso o resultado devastador da aplicação de uma estratégia simples, promovida por uma elite minúscula e seus seletos agregados aqui no Brasil.
Quando falamos de sistema, tem tanta coisa inserida, tantas informações confusas e necessárias no dito sistema, que muitos acreditam ser algo bom e positivo para eles e os seus. Eu chamo esse sistema de máquina. E não acho nada bom, apesar de eu mesmo, ser mais uma peça desgastada dessa máquina implacável.
Quando a maioria de nos pensa em política, eleições, voto obrigatório, democracia, direitos, deveres, lados opostos, opiniões diferentes, divergentes e conflitantes, e também nas tão sonhadas melhorias sociais para quem de fato precisa, independentemente de fatores e gostos recheados de pessoalidades voltadas ao próprio rabo, esbarramos na máquina e acabamos contemplando uma tempestade perfeita.
Mas ainda assim, não enxergamos como uma catastrofe anunciada, olhamos com naturalidade e até com certo desejo para essa junção monstruosa de fatores crueis, devidamente organizados para o nosso consumo, julgado imprescindível, repleto de necessidades constantes, criadas sob medida para todos, sem distinção. O sistema cria necessidades e a máquina impulsiona desejos.
O estado, seus "representantes" do povo, algumas religiões capitalistas e grandes empresários conseguiram estabelecer um sistema implacável, desumano, elitista e cruel, dentro de um sistema, que já era implacável, desumano, elitista e cruel.
Chamar de tempestade perfeita, é dar parabéns aos algozes de milhares de inocentes. Inocentes que, por sua vez, apenas buscam algo óbvio, que deveria ser ofertado naturalmente. A tão sonhada felicidade. O direito básico de ser feliz com o minimo de dignidade. De sorrir, de estar alimentado e abrigado em um lugar quente com os seus.
Mas para sonhar, mesmo que baixo, isso aqui
precisava ser um país sério, com um IDH bem mais relevante, e possuir representantes do povo qualificados para os cargos que ocupam nas esferas de poder que regem a vida desse país. Certo?
Infelizmente, o Brasil não é um lugar assim. E se depender de alguma iniciativa dos responsáveis por deixar a felicidade e a diginidade cada vez mais longe de milhares, jamais vai mudar. "Jamais" deveria estar em caixa alta. Mas você entendeu. Se você é parte da engrenagem, tipo eu, entendeu e não curtiu.
Ah! IDH é uma sigla que talvez você que está lendo nem saiba o significado, mas não importa, aqui em nosso país isso é ofensivo e muito descartável para a máquina. Nem vale ficar repetindo essas siglas tidas como subversivas por aqui.
Essa estrategia simples que citei no começo do texto, consiste em algo que todos nos assistimos diariamente, querendo ou não, até de olhos fechados. A valorização do ter, a permissão para não se prender aos valores morais mais básicos e importantes para uma sociedade civilizada de fato, a desvalorização do ser, segundo a qual a cultura, a educação e as artes como um todo, são descartadas 24h por dia pelo capitalismo consumidor, gerador e pagador de contas, dívidas, realizador e devastador de sonhos e vidas.
Eles preferem entretenimento, porque arte é coisa de subversivo e vagabundo.
Não é interessante que uma parcela significativa da população brasileira tenha capacidade de pensar com censo crítico. Imagine o desepero dos nossos "donos" em ter que lidar com um eleitor que pense por si próprio e tenha ética para analisar o que é certo e o que é errado?
Seria um grande desastre para essa estratégia que tem sido tão eficiente para a máquina desde a revolução industrial.
Os "gênios" responsáveis por esse case de sucesso (para eles, claro), são aqueles que conseguiram pegar os sonhos, necessidades básicas e emergências, entre outros anseios sociais, e juntaram tudo em uma receita muito bem propagada pela midia, publicidade, telejornais, novelas, artistas e celebridades rasas, mas que possuem grande audiência capaz de alcançar com enorme eficiencia as chamadas massas, que por sua vez, também promovem de forma gratuita a tal estratégia para sonhadores, inconformados, conformados, necessitados, iludidos e também para os aniquilados e totalmente fodidos.
A fome e a miséria têm que existir para serem usadas como promessas de melhorias por aqueles que mantem a máquina de moer gente em funcionamento constante, a custo baixo e preço alto para as massas.
A violência urbana, as limitações de um sistema de saúde eficiente para quem precisa, a truculência policial, o medo, a máfia, a contravenção, a corrupção, a liberação de armas, as perdas, o surgimento de milicias, o aumento de mortes, sequestros, assaltos, a promoção de chacinas, catastrofes, dematamento, escravidão e a manutenção de todo sofrimento humano têm que existir e se multiplicar dia e noite, para que setores econômicos lucrem, para que armas, cofres, carros blindados, câmeras de segurança, cercas elétricas, planos de saúde, planos funerais, empresas de segurança e seguradoras de bens sejam ofertados a preços muito lucrativos e, claro, até justificaveis.
Imagine um país transbordando paz e felicidade? Isso não da lucro! Não tem tantas necessidades. Não elege qualquer um desqualificado, com texto de papagaio de pirata fascista e elitista. E principalmente, não aumenta patrimônios e não ocasiona o crescimento absurdo para os menos de 10% da população, donos da maquina, donos de você que está lendo, dos seus filhos, da sua esposa e até do pet que você afirma ser seu. Donos orgulhosos de suas posses e apaixonados por essa estratégia campeã que nos ajudamos a dar certo.
Em paralelo, os que mais sonham e necessitam sonhar constantemente para não enlouquecer, são incentivados a se qualificar constantemente, buscar seus sonhos e desejos, ter fé em um deus que pede 10% de tudo que eles têm para devolver em prosperidade e, no fim, ainda salvar sua alma do tal inferno assustador, escolher se vai para a direita ou para a esquerda, e assim, ter o tal sucesso para almejar torna-se um integrante dos 10% e, quem sabe, virar dono de uma grande parcela de pessoas. Mas pode chamar de seguidores, fãs e apoiadores. Os termos têm pouca importância, contanto que a máquina continue a trabalhar da forma que eles desejam.
Mas eles - provavelmente você também que está lendo - têm que fazer isso com os recursos de um subemprego, trabalhando na informalidade ou vendendo fotos e vídeos intimos em sites de entretenimento adulto. Sem direitos, sem vantagens, sem apadrinhamento, sem herança, sem plano de saúde e sem aposentadoria garantida por aqueles que recebem os impostos enormes e usam de forma bem diferente o que a maioria de nos anseia.
A tempestade perfeita é a máxima da usurpação da vontade, da imposição de circunstâncias ruins, difíceis e com doses cavalares de imoralidade e cinismo descarado.
O tempo ainda é o senhor de tudo. Mas eles, nossos donos, também tem a estratégia perfeita para nos salvar da limitação básica do tempo, basta ter como pagar a oferta ou o dízimo e a vida pode ser eterna e abençoada, após o fim da carne maltratada e devorada pelas engrenagens famintas da secular máquina amada, desejada e divulgada como a mais bonita, importante e a mais sagrada.
Então Amém!
Mas não um Amémmm em latim, com uma entonação estranha, descaracterizada, banalizada, inserida como hábito e usada mecanicamente ao fim das orações, proferidas também de forma robotizada para atender os desejos, sonhos e necessidades que a máquina insere em todos nós. Mas sim como a sugestão antiga de que a única solução para uma sociedade melhor e mais forte, é o amor.
Mas, infelizmente, AMOR também é apenas mais uma palavra, com mil sentidos diferentes, banalizada e proferida de forma
automática, apesar de possuir um único significado, porém quase nenhum humano conseguiu traduzir ainda. Mas cachorros sabem amar, pergunte a eles.
Que venha 2024. Que venha o fim da tespestade perfeita.
Ou quem sabe? Que venha o meu, o seu, o nosso FIM.
Alexandre Chakal é carioca, pai, publicitário, jornalista independente, designer, musicista, escritor, poeta, locutor freelancer, zineiro, editor do blog Metal Reunion Zine à 15 anos. Um eterno inconformado com o cenário social e as péssimas gestões políticas no país mais rico da America Latina.
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