Quando eu era criança, meu avô me transmitiu uma lição que, na época, parecia apenas um conselho sábio de um homem mais velho. Ele enfatizou a importância de ser verdadeiro e íntegro, mesmo quando a vida exigia mais do que tínhamos. "O pobre pode ter poucas posses", ele disse, "mas a palavra é um tesouro que não custa nada". No entanto, como muitos na minha juventude, ignorei seus conselhos e me deparei com as consequências amargas da desonestidade e da falta de caráter.
Essa falta de integridade não é um fenômeno recente. Desde os primórdios da colonização do Brasil pelos portugueses, a mentira tem sido tecida na trama da cultura brasileira. Eventos históricos foram moldados por falsidades, desde as narrativas sobre o encontro com os povos nativos até os relatos da guerra do Paraguai, destacando-se como inverdades potenciais. Enquanto isso, as palavras ácidas do Dr. House, repetindo incansavelmente "Todos eles mentem", ecoam como um lembrete sombrio de nossa propensão à falsidade.
A mentira, entretanto, transcende fronteiras temporais e geográficas. Desde os tempos de Júlio César até os dias atuais, políticos têm manipulado a verdade para manter o poder. A Alemanha nazista nos anos 40 nos lembra que uma mentira repetida mil vezes pode se tornar uma verdade aceita, enquanto no mundo digital de hoje, a disseminação de fake news é uma epidemia que mina os fundamentos da sociedade.
No Brasil contemporâneo, a mentira é uma ferramenta essencial da política, alimentando o negacionismo e a desinformação que têm consequências letais. A falta de educação e a disseminação de teorias conspiratórias, tipo terra plana, vacinas que transformam pessoas em jacarés ou heteros em gays, transformaram a mentira em uma arma letal, prejudicando não apenas a política, mas também a saúde pública e a justiça social. Vou mais longe dizendo que a mentira enraizada na nossa cultura, que é exaltada como malandragem, sagacidade ou a velha esperteza, que por aqui diferencia vencedores de fracassados, é um plus em todo papo furado capitalista que nossos exploradores, escravizadores e canalhas que detêm nossos empregos, recebem nossos impostos e votos, tentam há décadas nos fazer seguir. Hoje a mentira é a certeza que eles venceram essa batalha. Fizeram-nos, reles mentirosos desconfiarmos uns dos outros e confiamos naqueles, que nos veem como peças de um jogo lucrativo, claro, apenas para eles.
Além disso, a cultura brasileira parece ter uma relação íntima com a mentira, que se estende para além do âmbito político. O hábito de mentir é muitas vezes associado à infidelidade conjugal, onde a cultura do(a) amante é normalizada e até mesmo romantizada. Recentemente, uma pesquisa divulgada no início de 2024 colocou o Brasil no topo do ranking de países mais promíscuos da América Latina, revelando uma conexão entre a mentira e a falta de fidelidade nos relacionamentos. Parece que, no Brasil, a mentira se tornou uma virtude, visto que a verdade proferida machuca, incomoda, fere egos e "valores".
Para construir uma sociedade mais justa e honesta, devemos reconhecer, nos reeducar e combater a mentira em todas as suas formas, que matam, desinformam, difamam, machucam, despedaçam famílias, constroem mitos e monstros. A verdade pode ser dolorosa (fala cliché), mas é essencial para o progresso, valores reais e a integridade de qualquer grupo que se propõe a viver em sociedade de forma civilizada. E não pensem que a mentira é um sinal de tolerância social que ajuda na construção da civilidade, isso é a grande falácia, alimentada por gente frágil, fraca e despreparada para enfrentar a vida como ela é. De verdade.
Por Alexandre Chakal
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