Sob os cuidados do Doutor V
Pro Fabio da Silva Barbosa
Doutor V era conhecido por seu
comportamento diferente. Andava mudo pelos corredores do hospital e, sempre que
era cumprimentado, respondia com um grunhido. Gostava de perambular pelas alas
mais abandonadas, onde podia fumar com pouco risco de cruzar com alguém. Mas
sabe como é a rotina hospitalar. Mesmo em um hospital grande, como aquele, tem
sempre alguém que vê o que acontece. Sua dependência do cigarro era tão
intensa, que alguns garantiam que ele saía com a roupa do centro cirúrgico para
fumar e voltava para continuar a cirurgia com a mesma vestimenta, ignorando
completamente o protocolo. Existiam relatos que pior que sua compulsão tabagista,
só mesmo o alcoolismo. As pessoas relacionavam o seu hábito de pouco falar, com
sua rotina alcoólica. Assim, não parava para interagir com os demais
funcionários porque não queria que sentissem o cheiro que exalava. Mas o que
derrubou Doutor V foi outro costume. Ele era o cirurgião ortopedista do
hospital naquele plantão e noventa por cento das cirurgias que aconteciam sob
sua responsabilidade eram de amputação. Fiquei até curioso em saber o que
faziam com tantas partes de membros sendo descartadas. Ainda não sei. Será que
cremavam? Contudo teve o dia em que um camarada estava andando de moto e
existia um galão no meio da estrada, com uma ponta retorcida para cima como uma
barbatana de tubarão. Já era madrugada e a falta de iluminação camuflou a
armadilha no meio do asfalto. A lasca do galão levantada entrou entre os dedos
do pé direito, fazendo a abertura entre os dedos se expandir ate mais da metade
do pé. Foi levado por uma ambulância até o hospital. Ao desembarcar na
emergência, ainda sobre a maca, deu de cara com Doutor V que olhou bem o estado
do pé, chegando com seu rosto muito perto. Grunhiu: “Abriu o pé igual a uma
abóbora. Isso não tem jeito. Tem de arrancar logo. Leva para o centro
cirúrgico”. O paciente seguiu pelo caminho gritando que não queria perder o pé.
Chegando à sala de cirurgia, se apavorou ao ver os equipamentos que iam ser
usados. Parecia uma bancada de serralheiro. Foi contido e anestesiado. Doutor V
apareceu pronto para executar o serviço. Os olhos chegaram a encher de água
quando viu a serra cirúrgica a espera para começar a funcionar. Adorava seu
barulho.
... Ah... E como ele foi derrubado? Isso é outra história. Um dia, quem sabe, chego nessa parte.
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