sexta-feira, 24 de maio de 2024

Navalha na Carne - Edição 33 - A cultura do cancelamento? Talvez um texto cancelável. Mas e daí?

 Escrevi esse texto em algum momento de 2023. Achei-o muito grande, repetitivo e desagradável. Mas eu notei que o que posto aqui no Navalha na Carne não tem muitas leituras, ninguém liga, e lembrei que vivemos no mundo das mensagens curtas, instantâneas e rasas. Textos grandes não interessam para a maioria. Então, decidi postar. Apesar de minhas motivações e percepções na ocasião que escrevi terem mudado, o texto continua atual em abril de 2024. Vamos lá.


E a cultura do cancelamento? Talvez um texto cancelável. Mas e daí?

Jogo vergonhoso de poder, atrelado à falta de ética, ausência de caráter e péssima educação básica. "Ainnn. Olha ele!?"

Relaxa, leitor! Além de você que está lendo, incluo a mim mesmo na crítica que vem nas próximas "linhas". Incluo também o político eleito democraticamente que, ao invés de estar trabalhando para seu eleitor, está fazendo dancinha no TicTock ou usando o plenário da casa para exaltar coisas relacionadas ao nazismo. Sim! Nazismo! No Brasil! Sim! Isso aí! Hitler, Holocausto, milhões de judeus massacrados e um político brasileiro, que não deixa de votar o aumento do seu próprio salário, está falando disso em plano 2023. Incluo também, claro e obviamente, o policial. Sim! Aquele que deveria estar protegendo e servindo eu e você de sermos vítimas de crimes, às vezes cometidos por policiais, mas esse, deve estar contando o lucro do faturamento daquele puteiro, lotado de moças menores de idade, que ele administra com mãos de ferro em suas folgas, ou quem sabe, o coitado está ocupado, assassinando alguém de pele preta que pode ser e é rotulado como criminoso. Algo natural e devidamente aceito por qualquer elemento dessa nossa sociedade que exalta a branquitude e valores vindos dos tempos do feudo. Você tem dúvidas, que devido à nossa cor de pele, podemos ser cancelados? Seja preto(a) no Brasil e descubra a cultura do cancelamento silenciosa e covarde. Sem nenhum textão ou prints no feed. Ah! incluo também aquela digital influencer, que fica linda quando posta aqueles vídeos de biquíni, que causam inveja a muitas que são apenas digitais e também fazem os marmanjos babarem como cães olhando frangueira de padaria. Não menos importante, incluo os pastores evangélicos midiáticos, que pedem dinheiro para os seus fiéis, alegando que as coisas estão muito difíceis e ao mesmo tempo, orientam esses mesmos fiéis a orarem e terem fé quando precisarem de dinheiro para suas dificuldades, incluo os apresentadores de programas de TV, os jornalistas, juízes, advogados parciais e uma parcela significativa de nossa tão ilibada sociedade, que atrás de uma tela, são tudo de melhor e cancelam sem nenhum remorso. Aquelas pessoas, que alegam ser verdadeiras mas não se importam com fontes, com a realidade dos fatos, consomem e criam fake news, destruindo reputações, famílias, carreiras e vidas. Muitas vidas.

Essa primeira parte inclusiva, digamos assim, sou eu apenas buscando evitar atitudes truculentas e recheadas de malcaratismo, que sei bem que você que está lendo, eu e os demais citados, somos bem capazes de cometer, ainda mais se estivermos na comodidade de nosso doce lar, digitando freneticamente na tela de nosso smartphone, após nossa vaidade e ego serem atingidas por críticas. Somos pessoas tão boas. Não merecemos isso. Já os outros, cancelamento neles né?

Mas apesar do texto até aqui eu sou favorável à cultura do cancelamento sim. Sou mesmo. Mas em partes né? Em partes porque? Porque acredito, que, nem eu e nem você, temos de fato esse poder! Somos na verdade, parte importante do problema. Problema que existe desde antes da internet e todos os avanços tecnológicos importantes ocorridos nas últimas duas décadas, mas que por aqui, são usados de forma rudimentar, maldosa, individualista, covarde, irresponsável e até mal caráter. Somos nós os errados também. Não esqueça desse ponto importante do texto. Você e eu somos responsáveis. Somos canceláveis e deveríamos analisar se de fato, somos civilizados ou fingimos civilidade para sermos promovidos no trabalho, transarmos com alguém que desejamos sexualmente, termos vantagens financeiras, sociais, familiares e tudo mais que a tal civilidade, mesmo forjada na medida desejada pelos outros, nos traz.

Civilidade. Inteligência. Ética. Caráter... Nossa gente! Quantas palavras bonitas e boas de usar, né? Mas e aí? Você usa alguma delas quando aponta seu indicador para a tela de seu aparelho celular, que ainda tem uma dúzia de prestações por pagar?

O que faz você acreditar que é alguém capaz de julgar, condenar e sentenciar outro alguém ao cancelamento e assim ocasionar todos os prejuízos que vêm no pacote? O número de seguidores que você colecionou nas suas redes? O tal engajamento de suas postagens de alerta? A sensacional chance do algoritmo viralizar sua atitude e assim você lucrar com a promoção do cancelamento? O pseudo poder que acreditas ter devido a sua condição social, cor da pele, beleza estética, formação acadêmica? Ou quem sabe, aquela sua vontade infantil de ser um super herói, tipo um dos vingadores. Com seu celular em mãos, estás pronto para cancelar todos os vilões ou quem você definir que é ou será o vilão, na sua brincadeira chamada vida e assim salvar a raça humana, sendo aplaudido de pé por toda internet?

Mas isso me faz pensar aqui em alguns pontos que continuam em uma crescente no Brasil.

Vivemos em um país que a educação básica é uma problemática deixada devidamente para quinto plano pelo estado, governos e inclusive profissionais de educação, que são impactados diretamente pelo sucateamento promovido por quem deveria cumprir esse ponto básico previsto na constituição federal.

Onde também, nos mesmos, temos que declarar em documentos oficiais, coisas como.. com qual cor e gênero nos identificamos, qual é nossa religião e dependendo da circunstância, qual é o time de futebol que nos declaramos torcedores.

Até quem é bem ignorante, sabe que orientação religiosa é algo relacionado à fé do indivíduo. Quando eu falo indivíduo, você consegue notar uma similaridade com a palavra individual? Então porra!? Dar satisfações sobre suas escolhas religiosas deveria ser algo condenável, cancelável e considerado falta de ética. Olha eu de novo falando ética. Mas o que é ética mesmo? Milhões nem sabem como se escreve certinha essa palavra. O significado, acredito eu, deve ser algo para horas de aulas.

Mas curiosamente, eu, você e muitas pessoas que vão ler ou não isso aqui, sabemos digitar textos bem contundentes, repletos de inverdades, de covardia. Sabemos ser rudes, mal educados e sabemos fazer certinho algo com objetivo de cancelar alguém em nossas redes sociais. Será que somos pessoas ruins ou apenas uma manada de rebeldes que precisam se expressar cada vez mais em um mundo repleto de indiferença ao próximo?

E tem mais... A linguística? Segundo inúmeros especialistas, formados nas fileiras do Facebook e outras redes sociais em alta, ou quem sabe, antissociais, é algo mutável que pode naturalmente substituir o vocabulário de um idioma pátrio, para segundo eles (os especialistas), sermos mais inclusivos, termos mais empatia e também alcançarmos a equidade tão desejada por todos ou todes.

Sei lá! Em um país que vive uma catástrofe educacional a cada governo que passa por Brasília, onde temos uma taxa de natalidade tão alta quanto a taxa de mortalidade, onde em pleno 2023 temos milhares de analfabetos incapazes de assinar o próprio nome, analfabetos funcionais e multidões de parasitas virtuais, curiosamente atuando em frentes teoricamente importantes para o desenvolvimento da nação. Onde as pessoas passam fome, moram nas ruas, comem ossos, lixo, restos e morrem de doenças que na teoria foram erradicadas na idade média, mas estão voltando devido ao negacionismo por vacinas, divulgado adivinhe onde? Ah! Você sabe? Antivax é um neologismo criado para definir esse grupo de canceladores de vacinas.

Um país, onde meninos e meninas, que deveriam estar brincando na segurança de um lar sem pais e tios abusadores, mas estão vendendo seus corpinhos nas estradas por um punhado de moedas ou em troca de um prato com comida azeda? Sem falar em grupos específicos que promovem teorias como da terra plana, e cancelam todos que acreditam em uma esfera girando no espaço, que cancelam obesos, autistas, portadores de necessidades especiais, idosos... Cadê a cultura do cancelamento para questões óbvias que estão invadindo nossos olhos através das redes sociais e telejornais?

Cultura do cancelamento aplicada de forma justa para violência contra a mulher, estupro, pedofilia, racismo, xenofobia, homofobia, intolerâncias relacionadas a religiões, não deixa de ser importante, e apesar de minhas críticas até aqui, repito, sou favorável. Mas sabe porque? Por que eu, talvez igual a você, me sinta abandonado pelo estado, abandonado pelo judiciário. Quando leio ou assisto reportagens que mostram ocorrências condenáveis e canceláveis, eu também sinto vontade de fazer alguma coisa, de escrever sobre, de criticar alguém e até de fazer justiça com as próprias mãos, visto que isso me deixa ansioso, depressivo, triste, inseguro e preocupado com parentes, amigos e pessoas que amo e quero bem.

Eu acredito, que a cultura do cancelamento tem um lado justo se olharmos pelo prisma do abandono e indiferença que todos nós sofremos, daqueles que deveriam criar leis mais severas, aplicar essas de forma justa e unificada, sem beneficiar os mais favorecidos e despedaçar aqueles que não têm como se defender, devido à inércia de quem devidamente eleito ou empossado, deveria trabalhar para evitar bestialidades tão normais em nosso cotidiano sofrido e muitas vezes desumano.

Porra! Vocês ou melhor, nós, elegemos pessoas que mal sabem ler ou escrever para legislar as leis que vão reger nossa sociedade. Somos fãs de assassinos confessos que viram até youtubers e faturam muita grana contando histórias como chacinas de menores, efetuadas na época que a internet era apenas um sonho. Elegemos mitos por sua truculência, jeito escroto de tratar as pessoas e por ser "sem filtro", achamos isso o máximo, e afirmamos, "lacrou".

Mais uma vez, fica claro que a cultura do cancelamento é uma forma covarde de nos defendermos de covardias que o estado, as igrejas, os líderes, os influencers e até mesmo os deuses não conseguiram até agora nos defender. Pensemos nisso, pois deixei de fazer analogias bem mais importantes que as citadas no texto. 

Se discordarem, me cancelem.

Por Alexandre Chakal 

Nenhum comentário:

Postar um comentário