quarta-feira, 8 de maio de 2024

Navalha na Carne - Edição 30 - Gratidão vitalícia não existe no Brasil

O título muda, mas os temas parecem recorrentes. Com certeza, você que é leitor da coluna, vai identificar que em algum dos outros textos já publicados, eu falei coisas similares, repeti a mesma mensagem ou crítica. Mas é isso mesmo. A diferença de temas, mas a coincidência de se chegar a um meio comum, é a comprovação de que nossos problemas e as possíveis soluções estão mais dentro de nós do que pensamos.

No caótico cenário humano que se tornou o tecido social brasileiro, a gratidão, essa virtude tão nobre e essencial para a coesão de uma sociedade, parece ser apenas uma quimera distante. O egoísmo, o narcisismo, a vaidade e o individualismo transformaram-se em valores enraizados em uma parcela significativa dos brasileiros, alimentados pelo vício em meios digitais, redes sociais e relações instantâneas e frágeis.

Em meio a décadas de turbulência política e econômica, essas características negativas se intensificaram, castrando qualquer resquício de humanidade que poderia subsistir. A falta de um ensino moral e cívico sólido, aliada à perda gradual dos valores éticos, culminou em uma sociedade cada vez mais desprovida de empatia e gratidão. E isso não é fantasia ou texto de coach motivador, é idiota. É fato. Basta olhar à sua volta. Quem não está cagando e andando para o próximo, está promovendo alguma coisa negativa para se dar bem ou ter algum conforto.

A gratidão, que deveria ser o elo que une as pessoas e fortalece os laços sociais, é banalizada ou até mesmo explorada. Aqueles que realizam feitos notáveis esperam, de forma direta ou indireta, o reconhecimento que lhes é devido. Políticos que resolvem questões fora dos trilhos da lei, policiais que operam no limiar da ética em prol de interesses particulares, tudo isso é parte do panorama do famoso "jeitinho brasileiro".

As políticas de convivência, longe de promoverem a solidariedade e o bem comum, são permeadas por interesses egoístas, busca por lucro financeiro e, em muitos casos, corrupção ativa e passiva. O resultado é uma sociedade fragmentada, desconfiada e desunida, onde a gratidão é apenas uma palavra vazia em um mar de cinismo e desilusão. Uma sociedade na medida exata da maioria dos políticos brasileiros. Imagine você que cenário perfeito? Uma massa de milhões, rachada, dividida, não se importando com questões que atingem os outros, por acharem que o certo é o lado deles, muitas vezes, determinado por algum líder político, religioso ou elemento que detém algum poder na sociedade e usa esse poder para influenciar esses comportamentos.

Se quisermos reverter esse quadro sombrio, coisa que eu acredito ser irreversível, é necessário um esforço conjunto para resgatar os valores morais e éticos que foram perdidos ao longo do tempo. Ética por aqui é uma palavra de cinco sílabas, mas que parece ser um texto complicado de física quântica para a maioria. Educação de qualidade, leitura e reflexão são ferramentas essenciais nesse processo, mas também é imprescindível uma mudança profunda na mentalidade coletiva, abandonando o individualismo em prol do bem comum. Reconheço serem coisas básicas necessárias na mesma proporção que reconheço ser algo que beira o impossível, apenas olhando esse padrão de sociedade que vivemos.

Talvez, somente assim poderemos construir uma sociedade onde a gratidão não seja apenas uma utopia, mas sim uma realidade palpável.

Além disso, é crucial destacar o racha social que é tão importante para a classe política brasileira. Conscientes de que um povo mais instruído, crítico e unido, praticante de gratidão entre si, elege cada vez menos corruptos e inaptos para cargos públicos, os políticos habilmente exploram essa divisão em benefício próprio. Ao manter a população dividida e desunida, eles asseguram sua permanência no poder e a continuidade de práticas corruptas que perpetuam o ciclo de desconfiança e desilusão. A fragmentação social, portanto, não é apenas uma consequência do individualismo e da falta de valores éticos, mas também uma estratégia política que perpetua a desigualdade e a injustiça. Enquanto não reconhecermos e enfrentarmos essa realidade, será difícil romper com o ciclo de corrupção e desumanidade que assola nossa sociedade.

Alexandre Chakal é carioca, pai, publicitário, jornalista independente, designer, musicista, escritor, poeta, locutor freelancer, zineiro, editor do blog Metal Reunion Zine à mais de 15 anos.  Um eterno inconformado com o cenário social e as péssimas gestões políticas no país mais rico da America Latina.


Nenhum comentário:

Postar um comentário