terça-feira, 16 de abril de 2024

Navalha na Carne - Edição Extra - Evangelismo Intrusivo: Uma Viagem Forçada no Ônibus da Intolerância Religiosa

Estou preso em um engarrafamento em uma das grandes avenidas de São Paulo, trancado dentro de um ônibus lotado de pessoas que acordaram cedo e, assim como eu, a maioria está se deslocando para seus locais de trabalho. Uns com semblante animado e energético, outros tristes e outros olhando os celulares concentrados em algo. Mais uma vez, um indivíduo começa a falar em voz alta com todos os passageiros, começando com aquela mesma abordagem imbecil e incômoda: "Bom dia. Desculpe incomodar o silêncio de sua viagem." Caralho! Seu filho da puta! Você já começa pedindo desculpas porque sabe que está errado, cita o silêncio pois percebeu que rompeu a tranquilidade das pessoas enclausuradas naquele espaço confinado, e por último, ele sabe que as pessoas estão em uma viagem. Sem contar que em várias grandes capitais brasileiras, a pregação em transporte coletivo é proibida por leis municipais e estaduais. Ou seja, eu queria continuar lendo um livrinho, mas esse elemento desprovido de educação e bom senso começou a fingir ser um audiolivro ambulante e obrigou a todos no ônibus a escutar aquela ladainha doentia de aceite Jesus, pomba-gira e diabo, Moisés, pragas e fim dos tempos. Na boa? Quem de vocês curte esses temas logo pela manhã, trancado em um transporte coletivo? Enfim, ruminando meu ódio com gosto amargo, me acalmei e comecei a escrever, apagar e reescrever minha crítica, que deu nisso aí.

É curioso observar como certos grupos religiosos, especialmente os evangélicos, adotam uma abordagem agressiva na promoção de sua fé, como se estivessem comercializando um produto em um mercado lotado. Eles ocupam espaços públicos, desconsideram as leis locais e inundam os transportes públicos com suas pregações intrusivas, sob o pretexto de "salvar almas".

Essa postura de "Aceite Jesus, ele está voltando" parece mais uma tentativa desesperada de atingir metas de conversão do que uma expressão genuína de fé. É como se estivessem tentando convencer as pessoas a aderir a um cartão de crédito com taxas de juros exorbitantes, sem mencionar os termos e condições ocultos.

Enquanto isso, outras religiões, como as de matriz africana, indiana e muçulmana, costumam adotar uma abordagem mais respeitosa e sutil para compartilhar suas crenças. Elas valorizam o respeito pela liberdade individual e reconhecem que a espiritualidade é uma jornada pessoal, não um empreendimento de vendas porta a porta.

Contudo, essa invasão religiosa nos espaços públicos vai além do incômodo. Ela levanta questões sobre o Estado laico brasileiro e as liberdades religiosas estabelecidas na Constituição Federal. O Brasil, enquanto nação secular, garante a liberdade de crença e culto a todos os seus cidadãos, sem distinção. No entanto, a imposição agressiva de uma única visão religiosa contradiz esses princípios, alimentando intolerâncias religiosas e desrespeitando a diversidade de crenças presentes na sociedade brasileira.

Seria fundamental que se promovesse um diálogo inter-religioso voluntario e se respeitasse o espaço individual de cada pessoa na construção de uma sociedade verdadeiramente plural e democrática. Porém, os evangélicos brasileiros, pelo menos aqueles que covardemente impõem suas pregações em coletivos a pessoas que não podem sair de ônibus e trens em movimento quando incomodadas com suas abordagens, parecem não querer isso. Foram condicionados a acreditar em um Deus único e demonizar tudo que é religião diferente da sua. Uma lástima que nos dá mais certeza de que o debate é necessário, mas a educação individual, caráter, ética e civilidade são mais importantes e urgentes em nossa sociedade.

O valor da individualidade em uma sociedade educada, civilizada e consciente das escolhas religiosas de cada indivíduo reside no respeito à diversidade de crenças. Nenhum Deus autêntico necessita que meros seres humanos tentem convencer outros sobre a escolha desse Deus. Afinal, a religiosidade é uma questão profundamente pessoal, e cada pessoa tem o direito de explorá-la e vivenciá-la conforme sua própria consciência e compreensão do divino.

Assim como qualquer indivíduo, tem o direito de escolher nenhuma religiosidade, nenhum Deus, e ser ateu declarado se assim desejar.

Em uma sociedade verdadeiramente democrática, o respeito mútuo pela individualidade religiosa é essencial para a coexistência pacífica e o florescimento humano.

Por Alexandre Chakal

16 de abril de 2024.

Nenhum comentário:

Postar um comentário