quarta-feira, 24 de abril de 2024

Navalha na Carne - Edição 32 - Privação sensorial aplicada. O que as igrejas, presidios e manicômios têm em comum?

Desde que entramos nesse clima teocrático e vergonhoso aqui no Brasil, onde a religião e a política "deram as mãos" em busca de objetivos que considero obscuros, antidemocráticos e inconstitucionais, muitos textos que publico no Navalha seguem um padrão de críticas similares, levando o leitor a perceber que estou me repetindo em outras palavras. Mas talvez seja isso mesmo. Entendo que existe uma meta por parte dos religiosos que estão envolvidos na política brasileira, com representatividade a ponto de terem bancadas consideradas importantes por outros políticos e pela sociedade. Querem transformar textos bíblicos em leis aplicadas a toda a população brasileira, acabar com o estado laico constante na Constituição Federal, suprimir as liberdades religiosas de pessoas que não seguem seu "Deus Único". Querem transformar em leis para assim criminalizar quem não aceitar a verdade absoluta deles, constante em um livro que consideram mais sagrado que outras crenças e religiões muito mais antigas que o Cristianismo. Querem usar leis para demonizar o que não é aquilo que determinaram como a verdade e o real. Eu, como outros milhares de brasileiros que têm outras crenças diferentes desses senhores citados, tenho indignação por presenciar essa estratégia manipulativa e cretina. E estarei sempre que possível incluindo religião e política em meus textos, para que o leitor veja nas analogias que não existe nenhuma santidade onde afirmam ter e que tudo isso não passa de um jogo de poder, onde nós, sociedade, somos os peões no tabuleiro deles.

Mas então, o que as igrejas, prisões e manicômios têm em comum?

Então, estava eu pensando que as igrejas, as prisões e os manicômios apresentam características que, apesar de distintas em seus propósitos, compartilham semelhanças notáveis no que diz respeito à privação sensorial e métodos disciplinares que moldam os pensamentos e comportamentos individuais e assim impactam de alguma forma no coletivo humano que compartilhamos. Claro, dentro de seus "universos" peculiares.

Vejamos a igreja, a santificada casa da fé, que aqui na terra do atual, digital e antenado Brasil, se tornou um ambiente quase inquestionável, e ao meu ver mais político do que religioso, independentemente de quem administra. Muitas vezes, vemos um lugar onde a fé e a devoção são cultivadas, mas também onde a conformidade e a obediência cega e servil, até para atos nefastos, é uma regra. Fazendo uso de termos repetidos em looping, com intensidade medida e discursos que se misturam com política e regras inerentes a valores específicos, evidentemente misturados com trechos da Bíblia, criando falas manipuladas e manipuláveis para outros fins não religiosos. Aqui em nosso país, temos talvez a maior comunidade evangélica do planeta, o que deveria ser motivo suficiente para eu desistir de escrever esse texto. Mas sim, é fato que as pregações religiosas moldam comportamentos sociais e têm objetivos nítidos de separar a sociedade entre o "povo de Deus" e os desvirtuados, os perdidos, os que escutam músicas do mundo, ou simplesmente "Os do mundo". Ou seja, não todos, claro, mas muitos já definiram o seguinte, ou você é evangélico ou é do mundo, é diferente. Isso me lembra bastante algumas religiões do oriente, mas vou deixar o tema em âmbito nacional. Através de seus rituais, cerimônias e doutrinas estabelecidas, as igrejas podem limitar a liberdade de pensamento, promovendo uma visão de mundo única e inquestionável. A privação sensorial ocorre por meio da imersão em ambientes solenes, onde a luz, o som e até mesmo o espaço físico são cuidadosamente controlados para criar uma atmosfera de reverência, contemplação e claro, controle.

Esse parágrafo será minúsculo comparado aos outros. Falar o que do sistema carcerário brasileiro? Escrever sobre o que, se até a mídia escancara na TV aberta a mistura ridícula de barbárie, descontrole estatal, corrupção ativa e passiva, benefícios a quem pode pagar, miséria, desgraça, doenças, racismo e morte para a maioria que entope essa máquina? As prisões representam um extremo oposto, onde a privação sensorial muitas vezes é utilizada como uma das formas de punição e controle. A restrição de liberdade, a separação do convívio social e a imposição de rotinas rígidas são métodos comuns para manter a ordem e a disciplina dentro desses ambientes. A falta de estímulos externos, como a ausência de contato visual prolongado, limitação do acesso à natureza, visitas íntimas e restrição de atividades recreativas, pode levar à deterioração da saúde mental e emocional dos detentos, gerando dependências emocionais e comportamentos disfuncionais. O resto você já sabe, né? Ninguém gosta de dar emprego a ex-presidiário, o Estado fala em criar programas para reinserção desses indivíduos na sociedade, mas quem reinsere mesmo é o crime, visto os números de reincidentes circulando nas casas carcerárias. E voltando ao topo do texto, sabe quem são os mediadores mais famosos nos presídios? Os religiosos. Sim, aquela história de que o estuprador ou assassino cruel e desumano encontrou Jesus, se arrependeu de seus pecados imperdoáveis pelas famílias suas vítimas, mas absolvidos por outros bandidos que estão presos na mesma cadeia, porém são representantes de Deus, segundo eles mesmos. Vejam que o problema em si não é tratado, nem mesmo os sintomas do problema. Usam religião para a cidadania e controle que é responsabilidade do Estado que cobra altos impostos para o contribuinte, mas não entrega nada de volta.

Por fim, os manicômios, embora tenham evoluído ao longo do tempo, aqui no Brasil são depósitos de pessoas, moedores de carne humana, com péssima estrutura e inércia estatal. Conforme retratados em filmes, livros e documentários dolorosos, como o filme "O Bicho de Sete Cabeças", baseado no livro "O Canto dos Malditos" de Austregésilo Bueno, e o livro da jornalista Daniela Arbex, "Holocausto Brasileiro". Inclusive, podemos citar bandas do underground brasileiro que já retrataram temas relacionados ao tratamento desumano nos manicômios por aqui, como Retaliador de São Paulo, que explanou em sua música e clipe as condições de um manicômio lendário, e a banda carioca Thrashera, que lançou uma música em seu álbum de 2022 influenciada diretamente pelo filme "O Bicho de Sete Cabeças" citado anteriormente neste parágrafo.

Historicamente, os manicômios foram lugares onde indivíduos considerados "desviantes" ou "indesejados" pela sociedade eram confinados e submetidos a tratamentos desumanos e cruéis. A privação sensorial podia ser uma forma de "tratamento", com pacientes sendo isolados em celas escuras ou amarrados em camas por longos períodos. Violência física e espancamentos também estavam presentes nos procedimentos. Rotulados como métodos disciplinares, era comum o uso de choques elétricos e a administração de drogas pesadas, visando suprimir comportamentos considerados inadequados ou "anormais".

Atualmente, paralelo aos manicômios, temos práticas mais vergonhosas sendo destinadas a pessoas que precisam de ajuda profissional para problemas psicológicos e psiquiátricos. Por exemplo, na cidade de São Paulo, lidando há cerca de 30 anos de forma ineficaz e sem soluções definitivas para a população com a questão da maior Cracolândia do Brasil. Como solução, ao invés de investir na melhoria do sistema de saúde da cidade para lidar com uma questão nítida de saúde pública, estão sendo injetados recursos públicos em grupos religiosos que prometem curar a dependência em crack com orações e métodos religiosos. Uma afronta à sociedade, uma medida vergonhosa com o dinheiro do contribuinte e nitidamente uma demonstração de que política e religião estão cada vez mais alinhadas, causando impactos confusos e ineficientes em nossa sociedade.

Em todos esses ambientes, a busca por controle e conformidade muitas vezes resulta na supressão da autonomia individual e na criação de dependências emocionais e sociais. A imposição de "verdades" absolutas, sejam elas religiosas, jurídicas ou psiquiátricas, restringe a diversidade de pensamento e dificulta o progresso e a evolução da sociedade como um todo. É essencial reconhecer esses padrões e buscar formas mais inclusivas e humanas de lidar com questões relacionadas à fé, justiça e saúde mental.

Alexandre Chakal é carioca, pai, publicitário, jornalista independente, designer, musicista, escritor, poeta, locutor freelancer, zineiro, editor do blog Metal Reunion Zine à mais de 15 anos.  Um eterno inconformado com o cenário social e as péssimas gestões políticas no país mais rico da America Latina.


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