segunda-feira, 25 de março de 2024

Navalha na Carne - Edição 25 - Em breve todos nos seremos traficantes.


Poderia perder meu tempo para escrever sobre o tema da vez, erroneamente proclamado pelo Senado Federal Brasileiro e repetido por uma massa de políticos que afirmam ser conservadores, como a PEC das drogas, instrumento para alterar a Constituição Federal, criminalizando todo e qualquer porte de drogas. Uma iniciativa do atual presidente do Senado para bater de frente com o Supremo Tribunal Federal brasileiro, que está votando algo que vai diferenciar o usuário de drogas do traficante de drogas, e com isso, tentar reduzir as desigualdades sociais expressas no crescimento da massa carcerária do Brasil, onde usuários com quantidades mínimas de maconha são encarcerados como traficantes, e isso serve de combustível para vender à população a insegurança constante de uma eterna guerra às drogas.

Tentar entender por que senadores da República entram em um embate institucional desses, enquanto milhares de problemas gritam por ações desses senhores, é uma perda de tempo no Brasil; por aqui é normal e histórico os representantes do povo, devidamente eleitos de forma democrática, se intitularem defensores de seus eleitores, mas serem flagrados com dinheiro de propina escondido nas meias e cuecas, serem investigados pelo Ministério Público por abuso de poder, desvio de verbas, envolvimento direto com figuras do crime organizado e outras tantas questões que em países sérios os desqualificariam para permanência nos cargos que ocupam, mas aqui é o Brasil. Manda quem pode, né? O coronelismo por aqui apenas se atualizou aos tempos, a máxima de usurpar o Estado em benefício próprio continua em curso.

Mas como disse, não vou perder meu tempo para falar algo desse circo imundo que às vezes me causa vergonha até afirmar que sou brasileiro. Porém, sobre a tal guerra às drogas e alguns pontos de suas raízes históricas entrando em conflito direto com ações políticas frustradas, vou tentar explanar em mais um texto enorme que, com certeza, não será lido até o fim, afinal, estou no Brasil; diversas pesquisas revelaram que o brasileiro médio não gosta de literatura e prefere assistir memes na internet do que ler um livro. Mas vamos lá.

No coração pulsante do tropical Brasil, povoado por uma gente alegre e despreocupada com catástrofes naturais, onde as cores vibrantes da cultura infelizmente se misturam com as sombras profundas da desigualdade, uma relação triste de questões sociais se entrelaça, moldando o destino de milhões, matando crianças, alvejando inocentes, detruindo sonhos, dilacerando familias e fazendo parar de pulsar inúmeros corações. 

A segurança pública, que deveria ser um pilar da tranquilidade cidadã, é constantemente mascarada por políticas públicas mal planejadas, elitistas ou simplesmente genocidas, com flerte descarado com um fascismo armamentista, que enriquece poucos, elege alguns e massacra muitos.

Essa segurança pública torta, que reforça os sentimentos de insegurança da grande massa que elege inaptos, agora se assemelha a uma sombra sinistra, projetada sobre comunidades inteiras, marginalizadas pelo simples fato de não serem aplicados pontos previstos na Constituição Federal brasileira. Se olharmos para os noticiários com um pouco de atenção, iremos perceber que existe uma campanha de políticos, representantes da sociedade civil, empresários e outros, que tentam emplacar atos e até mesmo leis inconstitucionais argumentando que são medidas pela segurança das famílias. Tudo balela. Conversa fiada. O tema segurança pública é colocado em pauta para tudo, pois se trata de grana, não para você que está lendo ou eu que escrevi. Mas grana para partidos, governos, legisladores e todos que estão envolvidos de forma direta ou indireta no processo que lida com o tema segurança. Muita gente ganha muito com isso, por isso qualquer tentativa para propor uma mudança é rechaçada por essa gente que controla a máquina.

Moradia para todos, igualdade de direitos, justiça social para os menos favorecidos, justiça criminal imparcial para todos... Tem gente eleita pelo povo que odeia essas questões e cria PECs, Emendas, legisla em causa própria como se a tragédia por aqui fosse um projeto político em andamento constante. E vai tomar no cú quem pensou em esquerda ou direita. Na minha humilde opinião, nenhum desses vermes presta para nada.

O início da favelização brasileira ecoa como um grito silencioso, uma lembrança dolorosa de um sistema que falhou em proteger e servir igualmente a todos os seus cidadãos. Já leu ou ouviu falar sobre a guerra de Canudos? Enfim... Os vitoriosos receberam terras do governo para morar. Mas adivinhe onde eram as terras? O restante da história está aí saltando aos nossos olhos. Favelas nunca seriam problemas sociais se o Estado tivesse feito a coisa de forma organizada. Mas aqui é o Brasil, em pleno 2024 temos gente indo para as ruas pedir volta da ditadura militar e a dissolução do sistema judiciário. Onde deveria haver oportunidades florescendo, encontramos becos sem saída e sonhos sufocados pela falta de investimento em educação e infraestrutura básica. Eu disse básica. Ok?

Mas e se houvesse uma luz no fim desse túnel de desespero? E se, ao invés de perpetuar uma guerra fracassada contra as drogas, que é mais focada na extinção de quem possui pele negra e também interessada nas verbas robustas para a segurança pública, tão desejadas por políticos, optássemos por uma abordagem mais progressista? Investir em educação não é apenas uma questão de preparar as futuras gerações para substituir os velhos, mas também de desmantelar as estruturas que alimentam o ciclo vicioso do tráfico, da corrupção policial, do crime como um todo e todas as ações financeiras lucrativas agregadas a essa sopa fétida de chorume.

A liberação das drogas ilícitas de forma recreativa pode parecer uma ideia radical à primeira vista, mas quando confrontada com a realidade brutal das ruas, surge como uma alternativa viável. Ao invés de alimentar os bolsos de traficantes sanguinários, policiais marginalizados, funerárias cada vez mais caras e políticos viciados em poder, dinheiro e outras coisas que tão nocivas quanto as drogas, poderíamos redirecionar esses recursos para programas de prevenção e reabilitação, construindo uma sociedade mais saudável e equilibrada. Taxar as drogas em proporções maiores que o tabaco e as bebidas alcoólicas seria uma solução lucrativa para o próprio governo, abriria novos mercados, ocasionaria aumento de contratações, especializações e ocasionaria a redução da taxa de desemprego vergonhosa que temos por aqui. Como diria a deputada Herica Hilton, a fome e a miséria são uma chantagem estatal covarde e desumana, articulada para continuar elegendo nossos algozes. Ela não disse exatamente isso, mas a mensagem foi essa mesmo.

Enquanto esses pontos são escritos aqui nessa coluna, nos corredores sombrios dos hospitais públicos, ecoam os gemidos, choros e gritos desesperados daqueles que caíram vítimas da guerra às drogas e de suas sofridas famílias. Os atestados de óbito são emitidos como se fossem ingressos para o Rock in Rio. Os gastos exorbitantes com a saúde pública do SUS para tratar os feridos gravemente em tiroteios são apenas a ponta do iceberg de uma crise humanitária que explode diante de nossos olhos. Até porque, se falarmos da cidade do Rio de Janeiro por exemplo, estamos falando de feridos por tiros de fuzis, armas de guerra com calibres potentes capazes de atravessar paredes de concreto e até blindagens de carro forte. 

Então, feridos por tiros de fuzil são mais propensos a vir a óbito, com isso, lá se vão recursos da saúde, tempo de profissionais, leitos ocupados ou reservados, ambulâncias..., usados para contemplar o fracasso de não conseguir salvar a vida do infeliz alvejado na tal guerra às drogas.

A conta nunca vai fechar Será que nenhum politico brasileiro chegou a analisar esse simples ponto citado aqui?

Enquanto o dinheiro flui dos cofres públicos, dos seus impostos pagos, para manter essa guerra insensata, as vidas se perdem no caos das ruas.

É nesse contexto que devemos olhar para além de nossas fronteiras, para países que optaram por uma abordagem diferente. Enquanto o Brasil ainda se apega a um modelo de polícia militarizada, que só fazia sentido na época da ditadura, outros lugares abraçaram a ideia de uma polícia privada, com metas e medição de resultados, não militarizada, apenas uniformizada. Essa mudança de paradigma não só reduziu os índices de violência, mas também promoveu uma relação mais próxima entre a comunidade e as forças de segurança.

Mas estou falando de países desenvolvidos, aqui o projeto de quem é eleito é se perpetuar no poder, tem uma espécie de projeto de manter para sempre o Brasil como país em desenvolvimento. A selvageria social, sofrimento e desigualdades são necessárias para existir criminalidade em crescimento e uma necessidade eterna em verbas cada vez maiores para a segurança.

Em um país onde a segurança pública é frequentemente sinônimo de opressão, onde temos rankings que pontuam qual polícia é a mais letal, qual é a mais truculenta e a mais corrupta, é hora de repensar nossas estratégias. Investir em educação de verdade, adotar políticas de drogas mais progressistas e alinhadas com exemplos de países que fizeram e melhoraram a qualidade de vida de suas populações, e também repensar o papel das forças de segurança. Esses são passos cruciais rumo a um futuro mais seguro e justo para todos os brasileiros e estrangeiros que nos visitam devido ao nosso potencial turístico praticamente único no planeta.

Ah! Quanto ao título "todos nos" foi um exagero proposital, aplicado para criar curiosidade no texto. 

Alexandre Chakal é carioca, pai, publicitário, jornalista independente, designer, musicista, escritor, poeta, locutor freelancer, zineiro, editor do blog Metal Reunion Zine à mais de 15 anos.  Um eterno inconformado com o cenário social e as péssimas gestões políticas no país mais rico da America Latina.

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