domingo, 24 de março de 2024

Navalha na Carne - Edição 24 - Expressividade desesperada ou comprada? Visibilidade forçada? Por que ainda chamam de Underground?

Aproveitando a nova edição para apresentar as logomarcas que vão se alternar nas próximas postagens.

No cerne do underground, um solo fértil de expressão autêntica e liberdade criativa, o terreno é minado por uma ironia amarga: a corrupção de seus próprios valores pelos que o habitam. Aqui, nos subterrâneos, onde a arte é cultivada como uma forma de resistência, surge uma dicotomia dolorosa. De um lado, o mainstream, um espetáculo de produtos culturais embalados para consumo, onde a expressão é moldada para agradar massas e encher os bolsos daqueles que detêm os cordões do poder. Do outro, o underground, um refúgio para os descontentes, onde o "faça você mesmo" é o lema e a arte é uma busca sincera pela verdade e pela beleza, longe das garras do lucro e da fama fácil.

Mas mesmo aqui, no tal underground, nas sombras da contracultura, encontramos a sombra sinistra do "Underground": uma expressividade forçada, uma visibilidade comprada. Onde a arte é cooptada pelo mercado, onde o brilho dos holofotes que valorizam a arte e suas mensagens, muitas vezes importantes para questões sociais ou simplesmente de preservação de valores específicos, é trocado por compromissos, concessões e mais concessões que corrompem valores e referências para outras gerações que montam bandas ou outras manifestações culturais de forma honesta e com intenção de usar a arte como uma arma contra um sistema capitalista, cruel e vergonhoso, onde todas "as peças" têm que trazer algum lucro ou estar em evidência nas grandes mídias.

Onde a integridade é sacrificada no altar da popularidade, e a voz do artista é abafada pelo clamor das marcas e dos influenciadores. É uma distorção dos valores que deveriam ser sagrados no underground: a liberdade, a autenticidade, a resistência. Mas que por aqui, no Brasil, são facilmente trocados por likes, entrevistas em uma imprensa elitista e são acompanhados por produtores e outros que visam lucrar com aqueles que se destacam e se vendem na mesma proporção.

E assim, o que deveria ser um movimento de libertação torna-se mais uma prisão, onde as regras são ditadas por aqueles que têm o poder e o dinheiro. Onde os sonhos são moldados pela ilusão do sucesso fácil, contanto que seja pago, e a famosa promessa de se tornar parte reconhecido e se tornar aspirante ao mainstream. É nitidamente uma traição aos ideais que deram origem ao underground, uma traição perpetrada por aqueles que afirmam ser seus defensores mais fervorosos. Algo já normal por aqui.
Regras tipo: a banda para ser banda, tem que ter sua discografia lançada em formato vinil, tem que fazer pelo menos uma Tour por ano, incluindo turnês internacionais, sul-americanas e até asiáticas, tem que ter pelo menos 20k de seguidores do insta, possuir um vídeo clipe profissional e esse vídeo clipe tem que figurar nas grandes mídias, tem que possuir presskit e uma assessoria de imprensa, tem que buscar de toda forma estar entre os top five das plataformas de streaming, tem que tocar nos grandes festivais voltados ao Rock, mesmo que sejam festivais de música pop, o que importa é aparecer para o maior número de contas, pessoas, consumidores, sem se importar se sua mensagem artística está atingindo o seu pseudo público alvo ou não. São regras, rotuladas como carreira que buscam números para alcançar mais números. No Brasil, eu poderia citar nomes de artistas e bandas que se comunicam de forma underground com o público que habita o underground, mas apenas para ostentar que se tornaram do mainstream. Mas vivemos em tempos de cancelamentos virtuais covardes e manadas de gado seguindo seus donos nas redes. Citar nomes pode ocasionar uma enxurrada de ataques e uma escalada para crimes virtuais das esferas cíveis e penais. Então fica o texto apenas para pensarmos sobre. Apesar da coluna Navalha na Carne estar cagando quilos para críticas, essa massa de rebeldes virtuais desocupados, com teclados frenéticos , fake news já enraizadas em seu DNA e discursos de ódio covardes e inconsequentes, é bem chata. Então sem nomes, é melhor para todos.

Mas para não deixar o pessimismo e decepção em alta, diante dessa traição, há uma luz de esperança. Pois enquanto houver artistas e visionários dispostos a resistir, enquanto houver aqueles que se recusam a comprometer sua integridade em troca de fama passageira, o verdadeiro espírito do underground viverá. E é nesse espírito que reside a verdadeira beleza da arte, uma beleza que não pode ser comprada nem vendida, uma beleza que transcende as fronteiras do tempo e do espaço, pois é isso que é arte. É essa beleza que devemos proteger e preservar, mesmo quando o mundo ao nosso redor parece estar desmoronando, virando um circo de entretenimento barato ou criando um sistema de trocas, onde os valores são trocados por likes e aprovação social inútil. Pois é essa beleza que nos lembra quem somos e o que realmente valorizamos, mesmo quando tudo mais parece estar perdido, fudido e corrompido.

Alexandre Chakal é carioca, pai, publicitário, jornalista independente, designer, musicista, escritor, poeta, locutor freelancer, zineiro, editor do blog Metal Reunion Zine à mais de 15 anos.  Um eterno inconformado com o cenário social e as péssimas gestões políticas no país mais rico da America Latina.

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