terça-feira, 23 de janeiro de 2024

ARQUIVOS EXPLÍCITOS - Contos e crônicas da ópera rock do terror cotidiano - Segunda Temporada 2023/2024 - #21

 
Mal passada

Por Fabio da Silva Barbosa

 

Ele passava olhando aquelas peças de carne penduradas nos ganchos e aspirava fundo para captar toda a fragrância típica do açougue. Por Muito tempo perambulou daqui para ali e dali para aqui, trocando de emprego mais vezes que trocava de cuecas. Quase não trocava de cuecas. Nada fazia sentido. Mas agora tinha se encontrado. Manusear toda aquela carne...  Escolheu uma das que estavam penduradas e começou a dançar. E cortar... Pegou a faca e dava estocadas na peça. Começou a beijar a carne de forma voluptuosa. 

-Mais que merda é essa?

Ele virou a cabeça para onde vinha o som. Quando o dono do açougue entrou em seu campo de visão, sua expressão não mudou. Seus olhos demonstravam que ele já sabia onde aquilo ia dar. Girou o corpo até ficar completamente de frente para o Seu Aluízio.

- Algum problema, Seu Aluízio?

- Como assim se tem algum problema? Vamos já para o escritório!

- Mas...

- Vamos! Não me faça perder tempo!

O escritório era uma salinha que ficava nos fundos do açougue, Tão pequena que a mesa com as duas cadeiras já tomavam quase todo o espaço. Era uma cadeira para Seu Aluizio e outra para a pessoa com quem ia conversar. Conversar com mais de um ao mesmo tempo não seria possível no escritório. Cada um sentou em seu respectivo lugar.

- Olha aqui, rapaz... Ninguém aquenta mais suas esquisitices. Seus colegas de trabalham sempre te flagram em alguma situação estranha e eu mesmo já te peguei algumas vezes em situações como a de hoje.

- Mas o que eu fiz? Não estava acontecendo nada de mais.

- Olha, moço... Se quer me fazer de bobo, não vou ficar aqui batendo pandeiro para maluco dançar. Toma aqui quanto lhe devo. Pronto, ficamos quites. Ninguém deve nada a ninguém.

- Na verdade, se fosse com carteira assinada...

- Mas não é. E se fosse, dava logo uma justa causa. Era só o que me faltava. Vai logo antes que chame a patrulha que faz a segurança dessa área. Tá chegando o dia de pegarem a carne do churrasco e vão querer mostrar serviço pro churrasco ser do jeito.

...

Ele não morava longe e voltou caminhando. Pensava em quanto tempo tinha demorado para conseguir um trabalho que casasse tão bem com seu perfil. Tentava se consolar pensando em quanto açougue tinha nas redondezas. Afinal, tinha aprendido o ofício com riqueza de detalhes. Qualquer um que o contratasse iria ficar satisfeito.

Subiu as escadas de madeira do prédio. Escadas velhas, daquelas que rangem e estalam, parecendo que estão gemendo e chorando, que vão desabar a qualquer momento. O elevador já estava há muito tempo quebrado. Os insetos se esgueiravam por todas as partes.

Entrou silenciosamente no apartamento, com cuidado para os vizinhos não ouvirem e aproveitarem pra reclamar novamente do cheiro que saía de seu apartamento. Ao entrar, foi direto para o quarto e passou em revista cada cadáver pendurado no gancho, como as peças de carne do açougue. Cada gancho, além do corpo, tinha uma plaquinha com o nome deste. Um gancho estava vazio. Ele foi até a escrivaninha e fez uma plaquinha com um nome. Prendeu-a no gancho vazio. Estava escrito Aluízio.   

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