sábado, 9 de dezembro de 2023

ARQUIVOS EXPLÍCITOS - Contos e crônicas da ópera rock do terror cotidiano - Segunda Temporada 2023 - #18

Ele carregava o próprio corpo como se fosse o maior dos fardos

Por Fabio da Silva Barbosa

 

Estava cansativo carregar aquele corpo oco para todos os lugares. Por dentro de sua própria carcaça, não havia nada recheando. Nem fazia ideia do que chamavam de alma, espírito... ou coisa que o valha. Conheceu apenas a amargura, a frustração e o abismo. O resto era apenas preenchido pelo vazio. O nada reinava soberano. E mesmo vazio, era um peso incrível carregar aquela matéria já em decomposição. Qualquer tentativa de mudar este quadro, soava como mais uma farsa. Ele relatava que mentiras monumentais eram criadas para dar algum sentido para esta existência medíocre que nos é imposta. E ele ruminava essas coisas enquanto andava pelas ruas, puxando seu corpo que inutilmente se arrastava pelo chão, deixando sua roupa suja e chagas por toda parte. Um dia parou na rua e começou a berrar que não aguentava mais. Gritaram que ele estava louco. Ele mandava de volta que estava são e via as coisas como eram, sem enfeites e maquiagens. Um dia começou a dar cabeçadas em um muro. Os passantes fingiam que nada estava acontecendo e que estava tudo bem. Afinal, nada podia atrapalhar a normalidade. Apenas um homem resolveu parar. Aproximou-se e observou que já espirrava sangue. O passante então o segurou e ele começou a repetir “Já perdi tudo. Não tenho nada a perder.” O homem tentou explicar que ele ainda tinha o bem mais valioso, a vida. Daí ele parou, olhou bem sério para o homem, respirou fundo e soltou um “Vai tomar no cu!!!”. Não curtia receber “Bom dia” ou coisa parecida. Jogava pedra em igrejas, templos... Não importava como chamavam ou qual a religião. Certo dia estava dormindo em um banco de uma praça por onde sempre passo. Embebedou-se a noite, como sempre fazia. Dizia que sóbrio, não conseguia dormir. Deitou e amanheceu morto.

Moral da história? Não tem. Essa foi mais uma história imoral. A penas falamos sobre um adoecido pela sociedade, que chegou naquele ponto onde nada, nem ninguém, faz sentido.


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