Que a morte lhe dê o descanso que a vida não deu
Por Fabio da Silva Barbosa
Era o
enterro do Velho Poeta, que também já apareceu por esta coluna como o Velho
Escritor. O nome dele, na verdade, não era nada disso. Ele se chamava Tenório
Theodoro Silva. Adorava confundir. Dizia ser sua missão na terra. É o primeiro
personagem dessa coluna a vir a óbito. Como chamaria isso? Talvez óbito
fictício? Quem sabe óbito criativo? Não faço a menor ideia e não vou ocupar
minha mente com isso. Não posso perder o foco. Afinal, estou em um enterro.
Acompanhando
o caixão, podíamos observar, sem dificuldades, a rapaziada que fazia uns furtos
pelo centro, alguns jogadores, o pessoal da exploração sexual e uns tantos
donos de botequim que ficaram sem receber a conta. Agora, o que mais tinha
mesmo, eram parceiros de copo ou de pequenos golpes. Sabe como é? Quem não tem
dinheiro, tem de ter criatividade pra sobreviver. Todo mundo sabe que poesia
nunca deu dinheiro. Querer se sustentar com poesia é gostar de passar fome.
Logo na Saída do caixão, Gornél já estava bêbado e
começou a fazer um escândalo. Discursou, chorou, caiu umas duas vezes pelo
chão... Os seguranças da boate botaram logo pra correr. O pessoal que chegou
depois, contou que ele estava segurando na grade do cemitério e ficava fazendo
movimentos circulares de um lado para outro. E disse que o bicho vomitava de não
parar nunca. Troço feio de ver. Ainda bem que quando sair, ele já foi. Já foi
ou alguém chamou a ambulância e levaram aquela alma sofrida pra um atendimento.
Não. Velório não teve. Ele não queria isso. Essa foi a
parte que conseguimos atender. Mas a cremação, não deu. Sei que ele queria,
mas... O pessoal até tentou fazer um ratátá... Pegar um dinheiro com cada um...
Só que a maioria tava duro. Quem tinha algum, ficava em dúvida, mas acabava se
resolvendo por tomar mais uma. Mas tá bom. Conseguiram esse caixão pela
prefeitura e o buraco pra enfiar dentro. Ele era do tipo que não ligava pra
nada. Não vai fazer questão.
Agora, o bicheiro que não perdeu tempo. Nem tinham
segurado o caixão para começar a andar e ele já foi mandando o garoto que
escreve o bicho abordar os presentes para ver quem gostaria de aproveitar e
fazer uma fézinha no dia de aniversário ou morte do finado. Quem quisesse o
número da cova, ele também já tinha. E o
rapaz ia com o talãozinho na mão, encostando discretamente nos presentes e
sussurrando algo com a maior seriedade. Já Gornél todo mundo reclamou do
comportamento. Por que ninguém falou nada com essa gente també?
Mas não adianta reclamar. O morto tá morto e mesmo se
tivesse vivo... Se pudesse, ele também fazia uma fé. Fosse no enterro de quem
fosse. Quem dirá no próprio.
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