sexta-feira, 11 de agosto de 2023

ARQUIVOS EXPLÍCITOS - Contos e crônicas da ópera rock do terror cotidiano - Segunda Temporada 2023 - #10

 
O patrão encarcerado.

Por Fabio da Silva Barbosa

 

Ajeitou-se na cadeira, deu um leve giro para um lado e para outro, olhou o secretário e quis saber:

-E o que temos pra hoje?

O secretário, com ar atrapalhado, abriu a agenda no dia correspondente e arrumou os óculos no rosto.

- Boa tarde, senhor. Aquele pastor que está vindo como candidato gostaria de saber os termos para conseguir nosso apoio.

Ao ouvir o secretário, explodiu em uma gargalhada tão forte que deu um pulo da cadeira.

- Tá de sacanagem!? O que esse cara quer mais? Tem um monte de igreja nas mãos e ainda quer nosso apoio!? Em cada igreja um monte de cérebro mole que parece massinha de modelar. É só ele fazer ficar do jeito que quer. É canal de televisão, jornal, programa de rádio... O sujeito tem tudo o que precisa. Queria eu ter o que ele tem hoje. Principalmente o dinheiro. Além do dízimo, entra grana de tudo o que é lado. As roupas que aquele povo usa é tudo confeccionado pela igreja. Cada material ungido... Faz o seguinte... Marca uma reunião com ele pra entendermos melhor.

Fez um gesto com as mãos pedindo pela pauta seguinte. O secretário acabou de anotar sobre a reunião e partiu para a próxima. Fez uma expressão como quem tinha lembrado algo importante.

- Fizemos o levantamento que o senhor pediu sobre aquelas mortes. Confirmou suas suspeitas. Briga por causa de território.

O outro fez ar interessado, ajeitou-se novamente na cadeira e olhou fixamente para o secretário.

- Tráfico?

- Maquininha de caça níquel.

- Mas isso não tava com o jogo do bicho, porra? O que esses putos têm de ficar espalhando presunto na minha área? Se eu soubesse que não iam conseguir manter a coisa em ordem, dava pra milícia cuidar.

O secretário já esperava aquela reação cheia de raiva. Trouxe logo a solução para acalmar os ânimos do seu patrão que já estava de pé.

- Calma... Na região é o jogo de bicho que controla as maquininhas e faz isso como ninguém. Se tivéssemos deixado com a milícia estaríamos tendo problemas constantemente. Sabemos como eles fazem as coisas. Foram só uns caras que resolveram colocar o jogo por fora, mas já foram avisados. Entenderam bem o recado dos corpos e já partiram dali.

O patrão puxou a cadeira e voltou a sentar. Passou a mão nos braços dela e lembrou quando a encomendou. Foi um dinheiro para conseguir fazê-la entrar.

- Se eles já deram jeito, então tá tudo certo.

Ao ver o gesto pedindo a próxima pauta, o secretário procurou rapidamente na agenda e se localizou.

- Problemas na prostituição. As meninas estão reclamando de um cara novo que apareceu na praça. O sujeito rouba dinheiro delas e já quebrou o maxilar da Marli.

- E quem é este merda?

O secretário observou o ar de raiva na pergunta e disse que era um desconhecido da área que estava morando em uns hotéis perto da rodoviária.

- E o Maurício que cuida disso tá esperando...?

-Só eu lhe comunicar e passar sua autorização.

Acabando de falar, o secretário já via a mão fazendo o gesto. Olhou um pouco a face do homem sentado a sua frente. Como ele era expressivo. A raiva em seu rosto foi dando lugar a um ar entediado. Para não passar a impressão que estava observando o chefe, fechou logo a agenda e anunciou que o próximo assunto era o caso do preso que estava traficando no pavilhão sem repassar parte do lucro.

- Traz o bicho.

O secretário saiu e logo voltou. Enquanto isso, o patrão ficou brincando com uns fios soltos no braço da cadeira. Atrás do secretário vieram dois homens carregando um que parecia o verdadeiro resto de gente, o farrapo humano. Estava todo arrebentado de tanto apanhar.

- E aí, meu rapaz... O pessoal te explicou direitinho? Você entendeu como funciona aqui? Posso acreditar em você ou preciso te matar?

O preso balançou a cabeça afirmativamente, murmurando um “entendi” que repetiu algumas vezes.

- Pronto. Podem levar. A partir de agora ninguém encosta mais um dedo nele. Ele trabalha pra gente.

Olhou para o secretário com ar interrogativo e perguntou se tinha mais alguma coisa.

- Não, senhor. Por hoje é só.

- Então é isso. Avisa ao carcereiro que é dos nossos sobre a reunião com o Pastor. Ele vai vir fora do horário de visita e precisamos de um lugar reservado.

- Sim, senhor.

- E você tá anotando essas porras nessa agenda daquele jeito que te falei? Tudo em código pra ninguém entender?

- Sim, senhor

- Então vamos se preparar que tá quase na hora do banho de sol. Hoje quero ir pro pátio com meu tênis novo. Pega ali pra mim.

 

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