Devido a uma série de compromissos, somente hoje consegui concluir a leitura das plaquetes artesanais da Editora Monstro dos Mares. Quatro desses títulos são de autoria do professor da UNISO, Rodrigo Barchi. Cada um deles dedicados a discutir a relação do grindcore, do thrash metal, do King Diamond e da corrente “red and anarchist” do black metal com questões ligadas ao meio ambiente. A outra publicação, na verdade um panfleto de oito páginas, sem autoria indicada, já no título deixa explícito seu conteúdo: Como se opor ao fascismo na cena do metal extremo.
Em razão dessas leituras interrompi, na metade do primeiro volume, Black metal: a história completa, da Editora Estética Torta, que voltarei a ler já transformado pelos artigos de Rodrigo Barchi. Para mim, que construí uma visão de mundo a partir dessa música odienta e odiada, é muito gratificante ler a produção acadêmica relacionada ao tema, pois, em regra, ela consegue ir além dos clichês habituais empregados para falar do metal.
Na grande imprensa brasileira uma produção musical só é válida e merecedora de atenção se fizer parte do circuito de apresentações em casas de espetáculos que as financiam. Tudo que escapa disso é visto com desdém, quando não é ignorado.
Exemplos de ontem e de hoje:
A banda Sepultura só passou a aparecer nas páginas da “maior revista de música do Brasil” depois que a imprensa inglesa passou a elogiá-los. Os “antenadíssimos” críticos da revista nunca foram capazes de enxergar, menos ainda valorizar, o que não fazia parte do show business. Underground bom era o de Berlin, Londres, Manhattan etc. “Acha que vamos perder tempo com uma molecada feia da periferia de SP ou BH?”.
Apesar da revista especializada em música clássica, CONCERTO, de leitura restrita aos apreciadores desse gênero musical, ter dado em dezembro de 2022 capa para Bruno de Sá, soprano brasileiro, formado no programa do Theatro São Pedro, de São Paulo, que faz imenso sucesso na Europa, são escassas as menções ao cantor nos grandes portais noticiosos brasileiros. Em publicações impressas do Brasil não direcionadas ao nicho da música erudita Bruno de Sá inexiste.
“ARTE É INTRIGA.” (Millôr Fernandes)
Retomando o fio. Existem formas não canônicas e divergentes de abordar e tratar de temas relevantes para a sociedade. Nas comunidades desterritorializadas da música extrema há uma intensa discussão relacionada ao meio ambiente, a ampliação de espaços de democracia e de participação popular, ao consumo responsável de itens essenciais à sobrevivência com vista a produzir o menor impacto social possível etc. No entanto, como a forma eleita para expressar o discurso desagrada aos fiscais do bom gosto musical de diversas tendências políticas, essa produção quando não é ignorada ou menosprezada é reduzida a caricatura e vira alvo de chacota. Isso, mesmo por parte de pessoas que se julgam muito iluminadas e iluministas.
Por essa razão é que me animo tanto quando leio artigos que empregam a objetividade (possível) da produção científica para analisar e aquilatar a consistência e qualidade da música extrema. Ampliar o debate e apresentar, sem preconceitos ou distorções, a música barulhenta feita nos porões do mundo à comunidade acadêmica é um passo necessário para a validação social de um enorme contingente de músicos e fãs desse gênero musical ainda maldito.
Enquanto parte da sociedade brasileira achar mais ultrajante a existência de um banda de death metal que a morte de centenas de crianças indígenas este país não será uma boa terra para se viver.
Por Lúcio Medeiros
Fonte
http://www.sepulchralvoicefanzine.com/2023/02/livros-rapida-resenha-de-black-metal.html
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