segunda-feira, 30 de maio de 2016

Guga Burkhardt - A resistência da arte hostil que atravessa o tempo - Entrevista

O pernambucano Guga Burkhardt começou a desenvolver seus dons artísticos muito cedo, influenciado pela sua coleção de HQs, onde treinava, tentando copiar os traços dos grandes mestres dos quadrinhos. Daí, foi lógico optar por cursar uma faculdade na área das artes e se formou em Desenho e artes plásticas pela UFPE. A caneta esferográfica foi sua primeira técnica aprimorada nos cadernos da escola e depois começou a estudar diversas outras técnicas e materiais como óleo, acrílica, pastel à óleo, lápis de cor e  nankin.  Foi no traço do Bico de Pena, no contraste da luz e sombra, que ele começou a criar as ilustrações que acompanham seu lado de zineiro. Em 1986 lançou o fanzine Acclamatur, especializado em música pesada, sempre com característica de conter muito trabalho de ilustração em preto e branco.Participou de várias exposições coletivas e individuais e ilustrou várias capas de CDs, camisa de bandas e logos. Reforçando a forte influência da música na sua arte.
Atualmente está com a exposição dos seus trabalhos relacionados ao Acclamatur e trabalhos encomendados por diversas bandas e músicos, sobre o título “O Traço Hostil” uma alusão ao significado do nome Acclamatur, que vem do latim e significa “Solta-se um grito hostil”.


Matal Reunion Zine. De que forma a música influência sua arte?

Guga. Em todo momento que estou criando. Não consigo desenhar ou pintar sem estar ouvindo algum som. Seja um som mais viajado como um Progressivo, seja um Death Metal. O som cria, o som projeta imagens. Por isso utilizo sempre música para criar.

Matal Reunion Zine. Uma boa parte dos seus trabalhos são em preto e branco, nankin. Porque?

Guga. O nankin ou bico de pena, foi uma das primeiras artes que comecei a utilizar, como é uma técnica  trabalhosa, principalmente o pontilhismo, eao memso tempo menos valorizada em termos de mercado, do que óleo ou acrílica, me afastei uns anos do nankin e retornei  depois de fazer uma ilustração de uma mandala para a capa do cd “Dançando aos Pés de Shiva” do violinista Sérgio Ferraz. Muito satisfeito com o resultado comecei a desenvolver uma série que chamei de “Revoluções Circulares” que depois virou uma exposição que circula até hoje.

Matal Reunion Zine. Por algumas temáticas nas suas ilustrações qual sua posição com relação a crenças e religião?

Guga. Não sou materialista. Por alguma razão, talvez ancestral, não consigo. Se você observar muitas das minhas obras são carregadas de espiritualismo. Só não sou afeito as crenças organizadas, principalmente criadas pelo homem que parece ser naturalmente corrupto e predatório. Ou seja, as religiões são criadas pelo homem, portanto perigosas. Realmente tenho muita mística envolvendo meus trabalhos e experiências extra-sensoriais e acho que o  sobrenatural é o natural que nos não compreendemos ainda.

Matal Reunion Zine. E seu lado zineiro, como surgiu?

Guga. Bom, no inicio de 80, como o  Metal tava em ebulição, o Thrash Metal, Death Metal , Black Metal surgindo. Então, imagine que revolução estávamos vivendo! Não podia deixar aquilo passar em branco. Tinha que registrar de algum jeito. Decidi , junto com minha companheira lançarmos um zine. Mas claro que coloquei meu lado artista de cara e resolvi não colocar foto de banda na capa. Esse era quase o padrão dos zines na época. E criei a arte do demônio crucificado numa cruz invertida pra ser  polêmica mesmo. No dia do lançamento e com o Black Metal surgindo,  um cara me  questionou sobre a capa. A resposta foi dentro da proposta anárquica que o fanzine tem: “Eu crucifico quem eu quiser, o demônio, Jesus cristo, religião, política. O zine é contra todo tipo de manipulação, de regras”. Foi uma resposta ao vivo, na cara e saiu quase sem pensar, porque essa era a verdade do zine. Sou puto com muitas regras.E se você observar,  o demônio está crucificado numa cruz invertida, portanto não era uma cruz cristã. Essa imagem virou  a logo do fanzine.

Matal Reunion Zine. Como manter um zine tanto tempo?

Guga. Na verdade, quebramos logo no inicio e só agora a poucos anos reativei ele fisicamente. A comemoração dos 30 anos é de criação. E depois disso, graças a internet, percebi que a cultura  dos zines ainda se mantém em todas as linguagens , não só de música. Tem até zinetecas como em Brasília, professores/Doutores em universidades trabalhando com isso, como o grande Edgar Franco / Ciberpagé e a  Mestre Danielle Barros. Ou seja até no meio tradicionalíssimo acadêmico os zines tem seu espaço.

Matal Reunion Zine. O que você acha das artes digitais?

Guga. Prefiro o orgânico, sou old school mesmo. Só acho que as artes digitais tiram um pouco a característica do artista. Perde um pouco a assinatura dele. Se você perceber, ficam muito parecidas, tem que ter muita personalidade para ter seu traço reconhecido quando digital. Em cada traço feito a mão, em cada erro,  em cada linha, o artista deixa um pouco da sua alma. Da sua energia. É essa a diferença que eu acho da arte orgânica pra digital e felizmente parece que a  primeira volta a ser valorizada.É o mesmo movimento que está acontecendo com a volta do vinil.

Matal Reunion Zine. O que você estar preparando para comemorar os 30 anos?

Guga.Esse ano de 2016 é ano comemorativo. Lancei o primeiro zine esse ano com CDs bônus do Tempestilence e Epoch Of Hate para os primeiros 30 exemplares. No próximo que devera sair agora em junho, haverá mais surpresas. E também estou com  a exposição “O Traço Hostil” com meus trabalhos na área de Música. Não só nankin , mas alguns em acrílica também. Muitos deles são os desenhos que ilustram o Acclamatur zine, outros de camisas de bandas, logos, etc. A idéia é chegar em várias regiões do Brasil, atrelada sempre a um show .


Matal Reunion Zine. Deixe aqui um salve de despedida para nosso leitor.

Guga. Quero aqui agradecer todo o apoio e reconhecimento ao meu trabalho como artista visual e quero que as pessoas entendam que o Acclamatur zine é uma das minhas expressões culturais, não tenho rabo preso com nada ou ninguém, por isso não esperem de mim nada diferente do que plantei a 30 anos: muita fúria misturada a ironia!

Entrevista por Chakal.

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