Mais uma, ou talvez outra, do velho poeta.
Por Fabio da Silva
Barbosa
Lá
estava o velho poeta com sua cabeça fermentando pelos vapores do álcool. A luz
da lua deixava a claridade penetrar na escuridão da noite, enquanto o calor
fazia o suor empapar cada ruga do escritor. Ele martelava sem parar os teclados
de seu computador e palavras surgiam na tela luminosa. Os mosquitos
interrompiam o momento mágico e a mão envelhecida coçava a parte atingida pela
horrível criatura.
-
Malditos insetos.
A
todo momento estes demônios apareciam, principalmente mo verão.
Consultou
a garrafa e viu que estava vazia. Foi até a dispensa buscar outra e aproveitou
para passar no banheiro e dar uma cagada. Mal sentou e sentiu as contrações
intestinais. A merda despencou de sua bunda, atingindo o vaso com fúria. Antes
de levantar para conferir, já fazia idéia do estrago. Limpou o rabo e deu
descarga. Ficou merda grudada pela louça. Como morava sozinho, não deu atenção
a coisa. Ia tirando aos poucos, quando mijasse. Era usar a técnica de mirar em
cima de onde quisesse que ficasse limpo.
Completou
o percurso e pegou outra garrafa. Voltou até o computador e digitou mais alguma
coisa. Pegou a garrafa, sedento. Percebeu o erro fatal. Havia esquecido de
abrir. Passou a mão pelos cabelos e ouviu um barulho na porta da sala do
primeiro andar. Olhou pela janela e viu uma pessoa com um manto. O capuz não
permitia que reconhecesse quem era. Pediu que a pessoa se identificasse, mas
ela não respondeu. Continuava dando suaves pancadinhas na porta e mexia na
maçaneta.
-
Puta que o pariu! Caralho! Porra!
O
dono da casa desceu as escadas resmungando e ao abrir a porta, a visitante
suspendeu a cabeça. Tratava-se de uma bela mulher. Ela retirou o capuz e o
olhou profundamente.
-
Boa noite, meu senhor. Venho até aqui oferecer rifas beneficentes.
-
Rifas beneficentes? Tá de sacanagem? Tô aqui numa merda do cacete e você quer
que eu faça caridade? E outra coisa.... Meu quarto fica no segundo andar. Por
que quando perguntei você não disse do que se tratava. Ia ter evitado que eu
descesse um monte de escadas com esse meu joelho fodido como está.
-Desculpe,
senhor.
-
E outra coisa... Por que está toda coberta com capuz e os caralhos nesse calor.
-
Desculpe, senhor. É que estou muito doente e...
A
mulher foi ao chão e o velho poeta tentou segurá-la
-Ai,
porra. Era o que me faltava.
Entrou
e telefonou para o serviço de ambulâncias que demorou um tempo expressivo, como
de costume. Quando chegou, quis que o poeta acompanhasse a moça até o hospital.
Ele disse que não iria e que já deixou-a do lado de fora mesmo, onde caíra,
para não se aborrecer.
Depois
de muita discussão, eles levaram a mulher e o velho homem entrou, fechou a
porta e voltou a subir as escadas. Sentou na frente do computador e teria de
reler o que tinha feito para pegar de novo o fio. Enquanto estava lendo,
estendeu o braço até a garrafa.
-Puta
que o pariu!
Novamente
havia esquecido de abrir.
Nos vemos em junho!